No dia 23 de fevereiro, o clássico Pinóquio – animação produzida pela Walt Disney - completou 80 anos de existência,
e fez parte da infância de muitas gerações, sendo lembrado com muito carinho,
nostalgia e... Controvérsia. Para
explorar melhor isso, vamos recorrer ao livro no qual Disney se baseou
para conceber o clássico.
Um breve alerta: se você nunca viu a animação ou quer ler o livro sem saber de spoilers, melhor procurar outro texto! Impossível fazer essas comparações e análises sem entregar detalhes da história. Tenho certeza que você conhece a sinopse básica, porém o filme vai por um caminho mais "leve" do que o livro, que possui uns desdobramentos bem macabros.
Fonte da imagem: Yahoo
Pinóquio
é um marco na história do cinema como um todo, sendo o segundo longa-metragem
de animação produzido por Walt Disney, após o sucesso de Branca de Neve e os
Sete Anões, de 1937. Na época do seu lançamento, em 1940, o filme não teve um bom desempenho nas bilheterias (lembrando que na época o mundo passava pela
Segunda Guerra Mundial, e os EUA entrariam “oficialmente” nessa no ano
seguinte) e só com o passar das décadas, Pinóquio pode pagar pelos seus custos
de produção. A animação em si é impecável, com uma história clássica e trilha
sonora marcante, marcos da Era de Ouro da Disney.
Fonte da imagem: The Disney Blog
O
personagem originalmente foi criado em 1881 por Carlo Collodi,
autor que pretendia realmente escrever uma história infantil - As aventuras de Pinóquio - com uma moral que “conscientizasse”
as crianças sobre o que é certo e errado, o que é ilustrado através das
travessuras do boneco de madeira favorito da cultura POP. O livro original - publicado inicialmente em Florença, na Itália - contém gravuras bem caprichadas, desenhadas por Enrico Mazzanti. Dito isso, gostaria
de começar afirmando que o tom da obra original, apesar de ainda ter o mesmo “espírito”,
transcorre de uma maneira bem diferente, chegando a ser até mesmo mais sombrio.
Fonte da imagem: Wikisource
Se
você – assim como eu – é traumatizado pelas cenas envolvendo os meninos que se
transformam em burros na Ilha dos Prazeres, isso na versão da Disney, sinto
informar-lhe: o livro pega ainda mais pesado! E não é só nesse contexto! Pra
começar, a obra de Collodi mostra de fato a construção do Pinóquio, através das
mãos do “Mestre Cereja”, que molda um pedaço de madeira para utilizar da melhor
maneira que lhe convém, porém é surpreendido pelo suposto grito de dor do
tronco ao “levar” a primeira machadada. Em seguida, o Cereja doa a peça para
seu “amigo” Gepeto, que termina de moldar a peça, transformando-a em uma
marionete, que já se mostra com vida.
Até
aqui, tirando a parte do background do Pinóquio – mostrando como ele foi
construído – a história soa familiar para quem assistiu apenas ao filme ou leu
qualquer versão “leve” e ainda mais infantilizada da obra que encontra-se aos
montes por aí e, dessa forma, quem o lê pela primeira vez já espera pelo mais “convencional”
que fora mostrado no filme de 1940, porém acontece que a obra de Collodi
originalmente mostra um Pinóquio extremamente mimado e travesso, fugindo logo
de Gepeto e sendo abordado pela polícia, e isso é só o começo.
Fonte da imagem: The Vintage News
Passada
a confusão, que culmina inclusiva na prisão preventiva de Gepeto, acontece o
inesperado: a morte do Grilo Falante. Isso mesmo! O animal fofinho que no filme
atua como a consciência de Pinóquio acaba sendo esmagado à marteladas pelo
boneco. Bizarro, não? O rumo que a história vai tomando mostra que Walt Disney
fez várias mudanças na trama, o que ocorre em todo tipo de adaptação, sobretudo
quando a obra original apresenta um conteúdo um tanto pesado para o público
infantil.
"O MUNDO É CHEIO DE TENTAÇÕES"
Tenho
certeza que você se lembra de como o filme mostra isso, através do Grilo
Falante, que orienta o Pinóquio sobre o que ele vai encontrar pelo mundo, e
como teoricamente deve escolher entre o certo e o errado. Pois bem, a obra
original vai mostrando o protagonista – uma versão bem travessa – sendo tentado
por dois sujeitos que encontra na rua, a optar pelo caminho “mais fácil”, algo que também é visto no
filme, porém não da mesma forma. Sabe qual a diferença?! O boneco, após participar de um
show de marionetes, recebe o dinheiro e, à caminho de um local onde poderia
plantar suas moedas para que supostamente nascesse uma árvore que teria
dinheiro como frutos, sofre uma tentativa de assassinato! Pinóquio é enforcado
e supostamente morre.
Fonte da imagem: La Testa Pensante
Na
época, esse era o primeiro final da história, que já foi recebido com paus e
pedras, e o autor escreveu um novo, de forma que o enforcamento fosse “apenas”
uma tentativa de assassinato, e Pinóquio sobreviveu. A história vai seguindo,
com o personagem sendo enganado pela dupla de golpistas e tem o seu dinheiro
roubado. Aqui, a lição apresentada é óbvia: nem sempre o caminho mais fácil é o
correto e o adequado. Mais para frente, ele conhece a Fada, que não é como a
animação de Walt Disney mostra, e ela possui uma casa em que abriga o boneco. Ainda assim, Pinóquio presencia uma bizarrice: um grupo de coelhos de cor preta carregando um caixão em sua direção, o que simboliza a sua possível morte. Meio louco, né? Essa parte em si bota muito livro de terror no chinelo!
Fonte da imagem: Goodreads
ILHA
DOS PRAZERES / PAÍS DOS BRINQUEDOS
Na
animação clássica, o personagem é salvo das emboscadas pelo recurso “Deus
Ex-Machina”, representado pela Fada Azul. No livro, a trajetória do personagem
nas ruas – longe da casa de seu pai Gepeto – é bastante longa: transcorre
durante vários meses. Tanto que, a Ilha dos Prazeres, ou o “País dos Brinquedos”,
como é mostrado no livro, é a representação pura da crueldade humana! Claro que
o autor utilizou esse recurso de forma a ensinar as crianças a se comportarem e
orientá-las a não desobedecer os pais, caso contrário seriam punidas. E essa
ilustração é ainda mais bizarra que a animação, com o Pinóquio conhecendo
Pávio, um garoto da mesma idade, e sendo convencido a embarcar na carroça rumo
ao lugar onde não existem regras, supostamente. Lembra que, na animação, as
carruagens são puxadas por seis burros? Pois é, e aqui fica claro que esses
animais são, na verdade, as crianças que foram anteriormente para esse lugar, e
agora “pagam pelo resto da vida”. Quando um dos “burros” se queixa, o Cocheiro
se mostra mais cruel e irônico do que na animação, arrancando um pedaço da
orelha do (agora) animal com uma mordida!
Pra
quem não lembra de como as coisas ocorrem na Ilha dos Prazeres, vou refrescar
sua memória: as crianças lá estão livres para fazer o que quiserem sem serem
punidas, e isso inclui inclusive fumar e beber – o que também acontece na
animação – porém isso tem um preço que os meninos vão descobrir: serão
transformados em burros, além de serem vendidos (ou traficados) para circos ou
minas de sal. Porém, diferente da obra Disney, onde a ação no lugar transcorre
em um curto período, na história original, Pinóquio, Pávio e as crianças passam
vários meses lá, até se darem conta de que o pior aconteceu: se tornaram
burros. Na animação, o boneco escapa junto ao Grilo, mas não é revelado os
destinos das outras crianças. No livro de Carlo Collodi, Pinóquio é vendido
para um homem cruel, mas eventualmente consegue fugir do seu destino e é
transformado novamente em boneco.
AINDA
TEM MAIS?!
Tem, sim! Após
passar por mais situações cabulosas – que não aparecem na obra Disney por uma
questão de censura, obviamente – o que inclui atuar como um cachorro, por
exemplo, o boneco acaba encontrando seu pai, que fora engolido por um tubarão
gigante. O resto da história transcorre da forma como todos conhecem: eles
escapam e partem rumo ao “final feliz”, onde Pinóquio realiza o sonho de Gepeto
em se tornar um menino de verdade, se mostrando digno ao se redimir de seus
atos e escolher pelo caminho mais certo, ao se deparar com outras situações. Porém, a história não para por aqui: Lembra do Pávio? Pois bem, o
personagem aparece novamente como um burro, já estando fraco e sucumbindo aos
maus tratos e MORRENDO na frente de Pinóquio. Depois disso, a história segue para
o final que já conhecemos.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Procurei
fazer uma comparação para que o leitor compreendesse melhor a importância do
personagem para a cultura como um todo. O filme Pinóquio é apenas uma de muitas
adaptações que já foram feitas ao longo do século XX, mas o filme da Walt
Disney é o que vêm à cabeça quando se fala no boneco de madeira, sendo muito
importante na história do cinema. Espero ter despertado a curiosidade de quem
deseja conhecer a obra original, como também espero não ter estragado a infância de alguém.
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Arte de capa: Wallpapers Wide
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