13/01/2020

Toy Story 4 - Um ponto fora da curva






Quando a Disney anunciou o lançamento de Toy Story 4, a primeira pergunta que me veio a mente foi: Porquê? 
Toy Story é uma franquia de filmes sobre brinquedos vivos que vivem no quarto de Andy, um menino norte-americano comum que não faz ideia do mundo paralelo que habita o seu quarto. Toy Story(1995) foi o primeiro longa animado por computador feito pelo estúdio Pixar e lançado pela Disney. Toy Story mudou completamente a lógica de consumo do mercado de animação norte-americano. Mas, mesmo sendo um filme de animação que é comumente associado a algo infantil e imaturo, ao longo de sua trajetória Toy Story abordou um tema pesado: o  medo do abandono.



O medo do abandono


Os brinquedos vivem em um ambiente completamente instável, ficam nervosos com cada natal, aniversário e venda de usados. O medo e a ansiedade são onipresentes. Os personagens possuem traumas e crises de pânico - como a cena da Jessie hiperventilando com medo de entrar na caixa de papelão do estúdio do Al - são cruéis uns com os outros quando sentem que sua posição está ameaçada de algum forma. O pior dos medos é o relógio correndo. Os brinquedos sabem que Andy eventualmente irá crescer e abandoná-los. É simplesmente inevitável. Mas, tudo isso é compensado pelo amor que Andy sente pelos seus brinquedos quando está brincando com eles. De fato, o grande arco narrativo de Toy Story sempre foi que brinquedos são feitos para brincar. Ter um dono é um privilégio e uma alegria como é reforçado em Toy Story 2(1999) e Toy Story 3(2010). Em ambos os filmes os vilões são brinquedos que foram abandonados, desprezados e  não sabem lidar com a inveja que eles alimentam de brinquedos com donos.


Mas tudo isso mudou em Toy Story 4. 




A mudança no arco narrativo de Woody 

A ideia de que brinquedos são feitos para brincar é o que basicamente molda personalidade de Woody - pelo menos em comparação com os outros brinquedos do quarto. A preocupação de Woody é tão grande que ele é um dos vilões do primeiro filme. Sabotando seu futuro amigo Buzz Lightyear. A narrativa vai nos revelando um protagonista ciumento e obcecado pela criança que é seu dono. No segundo filme, Woody se depara com detalhes de sua história que não conhecia e novos personagens. A história do abandono da criança de Jessie é extremamente triste e ao mesmo tempo provável de acontecer com qualquer brinquedo. Isso faz com que Woody tema o crescimento de Andy que cada vez mais se aproxima. Apesar de saber disso, Woody se mantém apegado e faz de tudo para ficar perto de Andy soando quase como um pai que cuida de um filho.





   O pesadelo de Woody se concretiza em Toy Story 3(2010) quando vemos Andy, agora crescido, indo para faculdade. Esse filme seria como o fim de um ciclo. Vemos os brinquedos abrindo os olhos para o mundo de outras crianças e novas possibilidades com a mudança de dono. Woody sabia que seria infeliz na faculdade de Andy e que não sentiria mais alegria porque o menino - agora um homem - não iria mais brincar com ele. Ele sabia que precisava de uma criança. Quando Woody escolhe ficar com Bonnie - uma menina doce, imaginativa e que adora brincar - ao invés de ir para faculdade, o que eu senti foi um grande alívio. Depois de tantos anos, eu me importava com o bem-estar desses personagens e vê-los com alguém que seria tão cuidadoso quanto Andy, seria o final perfeito. 

O quarto filme se apresentou para mim como a repetição das mesmas preocupações que os brinquedos sofriam no quarto do Andy. A introdução do novo personagem Garfinho preenche o filme com os planos elaborados de resgate que são típicos de Woddy durante toda a franquia. E mesmo após o seu encontro com Betty, cuja a existência já não dependia do amor de uma criança (e tudo bem, eu conseguir lidar com isso), sua insistência em resgatar o garfinho e levá-lo de volta para Bonnie ainda fazia parte da personalidade do brinquedo. Até as motivações da vilã Gabby Gabby são impulsionadas pela ideia de necessidade de atenção de uma criança. E até aí, tudo fazia sentido exceto pela última cena, quando Woody decide no minuto final que não precisa mais de um dono e pode viver sem problemas com Betty. Isso acontece depois uma sequência frenética dos brinquedos tentando ajudar a Gabby Gabby a ficar com uma menininha. A mudança de identidade de Woody foi tão drástica e sem sentido que mina todo o arco narrativo da franquia. 


Uma nova direção de arte em favor da narrativa?

   Toy Story 4 traz outra grande mudança além do plot narrativo: A direção de arte. Patrick Lin é o responsável pelo makeover da franquia. Ele trouxe novos elementos para tornar a animação o mais cinematográfica possível. "Minha câmera virtual é matematicamente fiel a uma câmera física", explica Lin para o site IBC. "Ele tem f-stop, distorção da lente, profundidade de campo e eu posso imitar o movimento da câmera com guindastes ou bonecas como se estivesse em um set físico".

   Sim, Patrick Lin simula câmera falsas em filmes de animação. E é uma moda que vem aparecendo em filmes da Pixar. Em Divertidamente(2015), Lin usou captura de movimento e lentes anamórficas para filmar fora da cabeça da Riley. Esse tipo de lente ou adaptador distorce apenas o eixo horizontal da imagem causando uma leve deformidade no objetos em cena.  “Toy Story 4 é sobre mudança; Woody é resistente a mudanças, mas Betty a abraça, por isso usamos lentes esféricas para ilustrar a situação emocional de Woody, a profundidade de campo e as distorções que os anamórficos oferecem quando Betty está enquadrada.”



Mudança de personalidade Betty

  Depois de ficar fora de um dos filmes da franquia, a Betty está de volta em Toy Story 4. Em vez de uma personagem coadjuvante e passiva, Betty é agora uma figura consideravelmente mais ativa. Ela fez uma vida para si mesma como um "brinquedo perdido", viajando pelo mundo com facilidade. E para justificar essa mudança, o filme nos oferece um flashback. Depois de apenas resgatar RC de um ralo de tempestade em uma noite chuvosa, Woody fica chocado ao saber que Betty está sendo doada, pois Molly não precisa mais dela. Woody mal tem tempo para se despedir de Betty, que sugere que ele a acompanhe. No entanto, as ligações de Andy mantêm Woody em casa.



A próxima vez que Woody (ou o público) vê Betty, ela está morando sozinha há um tempo. Ela se tornou consideravelmente mais proativa, correndo por sua própria vontade. Ela até se tornou a líder de um bando de "brinquedos perdidos", que brincam constantemente com crianças novas, esperando em locais públicos como playgrounds. Mas, como ela passou de uma boneca de porcelana coadjuvante para uma 'Indiana Jones' dos brinquedos não fica muito claro. 

  O que me leva a acreditar que esse buraco - muito conveniente  - de mudança de Betty e que consequentemente viria a justificar o plot do segundo ato do filme, precisou ser consertado com algumas(muitas) técnicas de efeito visuais e direção de arte. Nós sabemos que o Woody tem muita feição por Betty mas ela nunca foi um motor de mudança em nenhuma de suas aventuras. E como essa mudança não foi bem trabalhada em sua evolução enquanto personagem os criadores precisaram transferir esse gatilho emotivo para parte visual do filme. Resultando em uma queda gigantesca no personagens principais. Buzz Lightyear é sub-utilizado e estrategicamente infantilizado, regredindo a questão existenciais que ele já havia superado em filmes passados. Os brinquedos do quarto como a Jessie, bala no alvo e Rex ficam reféns, presos em um único ambiente (o trailer da família) durante quase toda a história. O que torna ainda mais ilógico se você lembrar da mega operação que esses brinquedos fizeram para conseguir sair de Sunnyside em Toy Story 3(2010).


É louvável todas as inovações visuais que a Pixar trouxe para este produto e eu tenho certeza que serão narrativamente uteis para os próximos filmes originais da empresa. Mas temos que admitir, Toy Story 4 parece Toy Story, usa uma maquiagem de Toy Story mas em essência não é Toy Story de verdade. E o Woody que disse uma vez: Estar lá para uma criança é a coisa mais nobre que um brinquedo pode fazer. Infelizmente, não é esse boneco animadamente fotorealístico de Toy Story 4.



referências:




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