Fala, meu povo!
20 de novembro de 2019 é celebrado o Dia da consciência negra, marcando
também o aniversário da morte de Zumbi dos Palmares, líder do quilombo que
bateu de frente com a escravidão, protegendo negros escravizados que fugiram. Como o mês é um mês especial para ser consciente sobre a negritude, gostaria de indicar uma HQ que merece ser lida por todos os
brasileiros, fruto da Maurício de Sousa Produções: Jeremias - Pele.
Esse material é de
autoria do Rafael Calça e também do Jefferson Costa, que procuram imprimir no
gibi a realidade em que vivemos, algo que acaba não sendo muito frequente nas
histórias convencionais da Turma da Mônica. Porém, esse novo "selo"
da Maurício de Souza produções procura um público mais velho, composto por
jovens e adultos. É como se fosse uma releitura do universo criado pelo
Maurício décadas atrás, e os autores que abraçam esse projeto procuram debater
questões do nosso cotidiano, e também investir em uma história feita para
aqueles que cresceram lendo os gibis, que se identificam com o ambiente em
questão. Em Pele, tudo funciona perfeitamente!
Como você já deve
ter percebido, essa obra discute o racismo em nossa sociedade, contada através
dos olhos inocentes do menino Jeremias (um dos personagens mais antigos do
Maurício de Souza, que compõe a 'Turma do Bermudão' tradicionalmente), que
passa a viver um dilema desconfortável, quando a professora de sua classe passa
um trabalho sobre profissões. Jerê, contra a sua vontade, fica com
"pedreiro", o que o entristece. Porém, não para por aí, visto que à
medida que a história avança, nos deparamos com o racismo enraizado, seja pelos
insultos dirigidos ao protagonista negro ou também uma presença mais
"velada" desse tema.
Em aspectos de
narrativa, Jeremias - Pele é o tipo de quadrinho que você não consegue parar de
ler, imediatamente se prendendo à história e sendo cativado pela força do
protagonista. Eu particularmente, o li em um ônibus no meio de um
engarrafamento, voltando para casa após o trabalho, e fiquei fascinado por tudo
aquilo. Visto que a HQ aborda um tema tão sombrio herdado do período da
escravidão, impossível não se sentir perplexo com algumas situações. Nesse
contexto, tudo aquilo parece uma versão em quadrinhos do que vemos sempre no
noticiário, ou até mesmo de acontecimentos que em algum momento já presenciamos
em nossa rotina. E é isso que os autores querem: fazer boi acordar! Tudo aquilo
foi baseado em experiências reais de suas vidas, e de acordo com eles, com
pouca romantização.
A presença dos pais
de Jeremias, sempre atenciosos com o filho, também ilustra perfeitamente o
dilema de muitas famílias negras no Brasil, orientando o protagonista e o
ensinando como lidar com essa rotina destruidora. Os diálogos entre os pais são
o que mais evidenciam isso, visto que eles são fruto de uma geração anterior e
precisaram criar uma "casca" de forma dolorosa, temendo que o filho
sofra em uma sociedade que mudou (nesse caso, dependendo do ponto de vista, pra
pior). O fato é que, infelizmente, aprendemos a 'tolerar' certos absurdos, e
projetos como Pele servem para mostrar que precisamos discutir esses assuntos
mais do que nunca, promovendo o debate também com o público jovem, núcleo em
que se passa a história. É preciso atentar para certas questões que preferimos
ignorar no nosso cotidiano, algo que nos torna também culpados pela existência
dessa dívida histórica.
A conscientização
de que precisamos dialogar sobre o racismo é o que torna essa data tão
importante, mas esses debates não devem se limitar a apenas um único dia,
servindo como lembrete da resistência,
formada por Zumbi dos Palmares, que viveu durante o século XVII e inclusive faz
uma participação mais do que especial na história. Se eu mencionar como ele se
torna importante, embora seja algo evidente diante do que a narrativa propõe,
envolve entregar alguns spoilers, então basta dizer que é necessário fazer essa
conexão. Na minha opinião, Jeremias - Pele merece ser discutido em salas de
aula, estimulando o debate, e também entre as famílias brasileiras. A leitura é
indicada para crianças um pouco mais velhas, perto de entrar na
pré-adolescência, por conta de algumas situações que podem chocar bastante os
mais novos. No entanto, quem irá realmente ser fisgado é o público adolescente
e adulto, que a partir do momento em que terminar de ler a HQ, deve estar
atento a essas questões, compartilhando sempre a ideia.
Além desse tema tão
importante sendo alvo dessas discussões essenciais entre os leitores, que já
sensibilizam com a obra, temos também um trabalho de arte muito bem feito,
fugindo dos traços mais tradicionais nos gibis convencionais da turminha.
Quando acompanhamos a leitura, a imagem, a grosso modo, cria vida, tornando a
experiência de ler Jeremias - Pele ainda mais prazerosa. A capa é um destaque à
parte, mostrando uma postura verdadeiramente protagonista do personagem,
traduzindo para o leitor toda a sua força. Foi uma iniciativa nobre da parte
dos autores e produtores, visto a necessidade de abordar esse tema de forma
"educativa".
- Considerações finais
Uma das melhores
histórias em quadrinhos que já li na vida, (e olhe que não são poucas!)
Jeremias - Pele é uma excelente opção de (re)leitura nessa data tão importante.
Quem ainda não leu, deve estar ciente de que esse material precisa ser
compartilhado com nossa sociedade, atingindo leitores de HQ ou não. Como
educador, me sinto honrado de falar dessa obra aqui no Nerdspeaking, e creio
que estamos diante de uma história que ilustra a nossa realidade enquanto
brasileiros. Mais do que nunca, precisamos combater o racismo, e isso deve ser
feito dialogando!
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