22/11/2018

Porque Pantera Negra NÃO É Afrofuturismo? - Mallu


   A resposta dessa pergunta é muito simples. Pantera Negra foi criado por pessoas brancas (Jack Kirby e Stan Lee) na tentativa de representar um grupo de pessoas - negras - no universo dos quadrinhos Marvel.


   O filme Pantera Negra foi um fenômeno ao redor do mundo. Com uma bilheteria de mais de um bilhão de dólares, o filme rendeu narrativas emocionadas de consumidores negros de filmes de super hérois sobre representatividade e afins. Até porque, a Marvel Comics existe desde 1939 e o Pantera Negra (primeiro herói negro relevante criado pela empresa) só veio aparecer em 1963!


   A explosão supercriativa da Marvel na década de 60 e 70 foi muito menos progressista e muito mais onda de marketing e continua até hoje. Não estou querendo ser cruel ou dizer que não é importante a diversidade introduzida nos quadrinhos sejam eles na década de 60, 70 ou em 2018. E a empresa introduziu em seus quadrinhos uma Miss Marvel muçulmana de origem paquistanesa (Khamala Khan), criou um universo onde Tony Stark é uma garota negra chamada Natasha Stark, tirou o martelo Mjollnir das mãos de Thor Odinson e o colocou nas mãos de Jane Foster, substituíram Peter Parker pelo negro-hispânico Miles Morales entre outros personagens. Os X-men, criados no auge do movimentos sociais, foram metáforas para a preconceito contra a comunidade LGBT e durante muito representaram a diversidade dentro do Universo Marvel.


   Mas, apesar de tudo isso, nenhum desses personagem fez uma real transformação dentro do mundo da Marvel.  Em seu ensaio de 1972, "O mito do super-homem", Umberto Eco descreve a estranha temporalidade que caracteriza narrativas de histórias em quadrinhos de longa duração. As história funcionam como anti-narrativas: os eventos "acontecem" apenas para que possam ser rapidamente revertidos, de modo que o status quo original da fantasia (um super-herói, tipicamente um homem branco em seus vinte e poucos anos, operando em um mundo que é basicamente igual ao nosso) nunca está sob revisão ou reconsideração. Ou seja, os eventos além da história de origem do personagem não têm consequências que permaneçam, seja para o indivíduo ou para a sociedade, maior em que vivem. Os heróis podem derrotar bandidos, alienígenas e robôs mas, não podem causar mudanças duradouras que alterem o status quo já preestabelecido.


   Dito isso, precisamos olhar atentamente para o propósito da criação do personagem T’challa. A Marvel “nasce” da Guerra Fria, assim como maior parte de seus heróis, cujo background é construído pelo tópico das bombas nucleares, fusões e toxicidade. O Pantera Negra surge do medo crescente e iminente da contínua descolonização da África no período da Guerra Fria, onde o mundo via-se dividido e a procura de recursos naturais e espaciais para fortalecimento próprio. Medo de descolonização dos Estados Unidos, cuja “perda” da África significaria muito mais perda capital do que se pode imaginar. Pantera Negra surge também como uma defesa para si mesmos desse capital.

   A exposição da cultura africana no background deste personagem chama atenção em relação a personagens afroamericanos como o Falcão, de Capitão América, cuja negritude é constantemente apagada. Mas até o momento de lançamento do filme, Pantera Negra não era categorizado como um narrativa afrofuturista. E se você clicou neste texto e chegou até aqui deve saber que o termo afrofuturista se refere a narrativa de ficção fantasia e/ou científica criada por pessoas negras sob a ótica cultural, política e social africana ou afrodescendente(afrocentrado). Portanto, era natural que um personagem criado por dois homens brancos, americanos de classe média não correspondesse a essa categoria.

O que mudou?  Porque Pantera Negra vem sendo usado como símbolo do movimento afrofuturista?


   Sem dúvida, a eleição de Donald Trump nos EUA exigiu da Disney uma produção que dialogasse com o atual momento político e social dos EUA. E a escolha da direção foi norteada por essa incógnita. E a decisão final foi: Ryan Coogler, um jovem diretor de 31 anos, começou em 2013 com o sucesso indie Fruitvale Station (premiado na seção Un Certain Regard de Cannes) e continuou com uma releitura do icônico personagem Rocky, em Creed, sucesso de bilheteria em 2015. O que resultou numa mudança de linguagem de adaptação da história original de Lee e Kirkby.



   A visão utópica e inspiradora do filme de Coogler acrescenta a inegavelmente poderosa: uma nação africana oculta - Wakanda - adicionando o background de que Wakanda não apenas evitou a colonização, mas também desenvolveu tecnologias inovadoras e riqueza independente que poderiam derrubar a violência racista da polícia, militar, de inteligência e econômica que protege a população branca e ocidental. O complicado vilão do filme, Killmonger, e seu plano de usar essa superioridade wakandana para conquistar e libertar o mundo, pode ter encontrado a derrota no fim do Pantera Negra.. Mas a maioria dos espectadores(principalmente negros) se identificou com a visão do antagonista. Se Wakanda é tão poderosa porque não se tornou um país dominante? Porque foi escrito por pessoas brancas? Talvez. Mais principalmente pelo que eu disse anteriormente.


   Pantera Negra não é um filme independente, nem uma história de origem no sentido tradicional. Sua narrativa é disciplinada pelo estúdio, pela produtora e pela lógica de mercado.  A inexistência de Wakanda "até agora", sua recusa em participar de eventos globais, mesmo em face do tráfico de escravos e da colonização européia(como introduzido nas primeiras cenas) torna-se um ponto crucial no filme: a motivação para a raiva de Killmonger e a raiz de sua radicalização. política. O que Wakanda realmente significaria para o globo - materialmente, tecnologicamente, economicamente, filosoficamente, espiritualmente - seria tão radical a ponto de romper permanentemente a conexão entre "lá" e "aqui", na qual o eterno presente do Universo Cinematográfico Marvel é baseado.


   O que Ryan Coogler fez foi trazer uma visão não-branca para essa história. O que já um avanço mas, nada comparado ao mar de tantas narrativas sem a participação de personagens não-brancos da Disney. Representatividade é importante para inspirarmos os futuros diretores, produtores e artistas negros do futuro. Entretanto, representatividade não deve ser um fim ou um objetivo final. Se formos exigir uma reparação justa a Marvel não fez mais do que sua obrigação e ainda nos devem anos e anos de filmes com elencos diversos e multi-étnicos. É importante que a comunidade negra perceba as regras do jogo do mercado e não se contente com em ser representado por um único filme de herói lançado a cada dez anos. Pois, como diria Malcom X: Meus irmãos e irmãs pretas, ninguém jamais saberá quem nós somos... até nós sabermos quem somos! E eu complemento dizendo que precisamos fazer isso nós mesmos!


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