15/03/2018

O que é AFROFUTURISMO? - Mallu


   Não sejamos ingênuos. O papel da ficção científica e mais precisamente do Cyberpunk mudou drasticamente. Iniciado na década de 40, o subgênero surge como uma antítese do que era o pensamento da ficção utópica. A visão do avanço tecnológico como único meio de alcançar a felicidade, foi se dissolvendo com a geração de escritores do pós-guerra. 

   A nova era da comunicação causou alguns efeitos colaterais no modo como essas produções são recebidas pelo mercado. Além disso, a informação passa a ser um gerador direto de valor econômico. A informação sobre o futuro, portanto, circula como mercadoria cada vez mais importante. A ficção científica é agora um departamento de pesquisa e desenvolvimento dentro de uma indústria de futuros que sonha com a previsão e controle do amanhã. Se tornando mais do que uma ingênua previsão para a futuro distante, ou como um projeto utópico para imaginar realidades sociais alternativas. O negócio corporativo procura administrar o desconhecido através de decisões baseadas em cenários, enquanto a sociedade civil responde ao choque futuro através de hábitos - emparelhado pela ficção científica. 


   Tão importante quanto a tecnologia, é o hábito que se atribuirá a ela. E nisso o imaginário criado pela mídia é fundamental. Por isso a indústria mainstream acabou abraçando o cyberpunk. Não é coincidência que algumas previsões do gênero estejam se concretizando nos dias atuais, e que paralelamente, a indústria tenha disseminado produções de cyberpunk esvaziadas de sua discussão principal. Foi o que aconteceu com o live action de Ghost in the Shell (2017). Não quer dizer que não existam boas produções, mas, elas estão cada vez menos densas e relevantes.

   O imaginário de futuro controlado por uma sistema de mercado atinge a todos, principalmente aos segmentos da sociedade que já não eram tão bem representados. Se o passado é contado por um olhar eurocêntrico, o futuro certamente também vai ser. E é nesse contexto que o Afrofuturismo ganha notoriedade. Talvez seja  novo cyberpunk da ficção científica. E talvez até o cyberpunk do próprio cyberpunk. A antítese do monopólio branco sobre o futuro - seja ele utópico ou distópico.

Black magic is in fact, a beautiful black future. (https://goo.gl/4cGpGa)
   Em teoria, esse subgênero combina elementos de ficção científica, realismo mágico e história africana. O termo foi cunhado por um cara branco chamado Mark Dery, em seu ensaio de 1994, intitulado Black to the Future. Mark se perguntava porque havia tão poucos autores negros norte-americanos de ficção científica.  

“É possível para uma comunidade cujo passado foi deliberadamente apagado e cujas energias foram posteriormente consumidas pela busca de traços legíveis de sua história, imaginar futuros possíveis?”, Dery pergunta no texto. 

A falta de acesso a recursos, como uma boa educação que incentive a ciência, também restringe o afrofuturismo de se espalhar no Brasil. 

Mark Dery's- 'Black to the Future' (https://goo.gl/in6g4S)
   Eu sinceramente considero o termo problemático, já que faz distinção entre ficção científica a partir da visão eurocentrista (logo, "universal") e ficção científica afrocentrada. Histórias com tecnologia e ancestralidade africana deveriam ser consideradas ficção, seja ela de qual subgênero for. Supor que a ficção científica escrita sob o olhar eurocêntrico é universal e a ficção afrocentrada é uma sub gênero separado - mesma que abordem temas relacionados comumente ao cyberpunk - é cruel e prepotente. Ficção é ficção.

Octavia Buttler, escritora de ficção científica voltada à negritude. (https://goo.gl/nYNPEs)
  Mas, agora é tarde demais para se livrar do termo, o melhor que podemos fazer é nos  apropriar dele. Pessoas negras sempre contaram suas histórias. E antes das pessoas brancas tentarem enquadrar nossos contos, Octavia Buttler já seguia escrevendo sobre viagem no tempo e a diáspora africana, enquanto que Sun Ra já lançava músicas cosmicamente psicodélicas. 

   Encarar o afrofuturismo como algo ‘exótico’ só me parece mais uma estratégia dos  brancos em tomar para si as narrativas sobre o futuro. Aos poucos vamos tomando conta do presente, seja pelos gibis, filmes, livros ou pela música tal como a Janelle Monáe. A história aos poucos vai sendo reescrita, criando um novo imaginário acerca do destino do povo negro. Porque afinal, o tempo corre, só que dessa vez, será também  em nossa direção.




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